Contrariando opinião da maioria dos comentaristas de diversos meios de imprensa, afirmei recentemente em um post que a desidratação da chamada Terceira Via, culminando com a saída de João Dória do páreo, iria beneficiar a candidatura do ex-presidente Lula, que poderia calibrar o foco da campanha para buscar a vitória ainda no Primeiro Turno. Claro que se trata de recorte do momento, com base nos dados que se tem disponíveis e não de verdade absoluta porque faltam quatro meses para a eleição.
O fato é que a pesquisa Datafolha divulgada desta quinta-feira, 26, mostra um crescimento até além das expectativas nas intenções de voto em Lula (48%), crescendo (5%) em relação à pesquisa anterior do mesmo instituto. Bolsonaro estacionou nos (27%), assim como Ciro (7%). Os demais oscilam entre (2% e 1%), incluindo Simone Tebet (PMDB), que carrega o fio de esperança do que sobrou da ‘Terceira Via’.
Pesquisa aponta vitória no Primeiro Turno
Corroborando com a minha afirmação no post anterior, os dados da pesquisa eleitoral Datafolha, divulgada nessa quinta-feira, 26, mostram que, de fato, não havia muito a se comemorar, por parte dos bolsonaristas, em relação às saídas dos ex-parceiros e, hoje, desafetos de Bolsonaro da disputa presidencial. Não é possível afirmar que, necessariamente, os votos de Moro e Dória, em sua maioria, migraram para Lula, mas é fato que para Bolsonaro, quanto mais candidatos no páreo, melhor. Nesta primeira pesquisa divulgada sem João Dória, Lula venceria no Primeiro Turno com (54%) dos votos válidos.
Votos espontâneos (consolidados) deixam Lula mais próximo do Planalto.
A pesquisa espontânea, quando não é apresentada a lista com os nomes dos candidatos, de maneira surpreendente, revelou que mais de 60% dos eleitores brasileiros, acostumados a deixar para decidir de última hora, já definiram em quem vão votar. Esse talvez seja o dado mais importante do levantamento porque na pesquisa espontânea corresponde a um voto mais consolidado.
Lula subiu (8 pontos percentuais) na pesquisa espontânea em relação à última realizada pelo Datafolha. Passou de (30%) para (38%). Bolsonaro alcançou, neste levantamento (22%) dos votos espontâneos.
Eleição do voto contra
E porque há uma quantidade maior de pessoas que já escolheram os seus candidatos em relação a outras eleições? Porque esta está polarizada entre dois candidatos que, se por um lado reflete um amadurecimento do eleitorado, assim como ocorre nos USA, por outro é a eleição do VOTO CONTRA. Justamente por isso a rejeição é fator preponderante nesta corrida eleitoral. O eleitor bolsonarista vota pelo conservadorismo e contra Lula, os demais votam pela memória econômica do primeiro mandado do PT , mas, sobretudo, contra Bolsonaro.
Rejeição acima de 50% impede crescimento de Bolsonaro
A pesquisa explica em parte porque Bolsonaro não consegue aumentar o seu índice, mesmo com as constantes viagens e ações eleitoreiras de quem tem a caneta na mão.
Cabe lembrar, o governo deixou estrategicamente, e, de forma equivocada, somente para o ano eleitoral uma série de medidas para melhorar a aprovação do governo como: o perdão de parte das dívidas dos estudantes que utilizaram o FIES (Fundo do Financiamento Estudantil), liberação do recurso do FGTS, antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, programa de microcrédito e ampliação de empréstimos consignados, entre outros.
Medidas que não surtiram o efeito eleitoral desejado porque o eleitorado, sobretudo, os de menor renda evoluíram e já conhecem as intenções por detrás das ações.
O único cenário em que Bolsonaro aparece à frente de Lula é entre os que ganham mais de 10 salários mínimos. Mas, como a grande maioria da população é de baixa renda, a rejeição é recorde, um ponto acima da pesquisa anterior e hoje está em (54%). Já Lula diminuiu a sua rejeição acima da margem de erro de dois pontos percentuais, (33%) no atual levantamento contra (37%) na pesquisa anterior.
O ‘negacionismo’ também entra nesta conta. Primeiro a negação da gravidade da Covid-19, do número de mortes, da necessidade da vacina, dos benefícios da vacinação para as crianças, da eficiência das urnas eletrônicas que lhe garantiram a permanência em cargos públicos de 1996 até hoje, entre outros.
Número menor de indecisos também trava crescimento de Bolsonaro.
Uma outra particularidade desta eleição é que, diferente de outros pleitos, há poucos indecisos. O levantamento dessa quinta-feira mostra que, faltando quatro meses para a eleição, somente (11% ) - brancos, nulos não sabem - ainda não escolheram os seus candidatos. Portanto, não há muitos eleitores a serem conquistados.
Negligência com as mulheres, maioria do eleitorado, cobra seu preço
A falta de políticas específicas para as mulheres e, principalmente, as grosserias expostas em ocasiões diversas em rede nacional contra repórteres do sexo feminino, revelam muito a elas sobre o ‘espectro’ de Bolsonaro.
Some a isso o fato de que as mulheres são as primeiras a sentirem o nocivo efeito da inflação, sobretudo, aquelas que são chefe de família. O desemprego é maior entre as mulheres em relação aos homens. E estes fatores explicam, em boa parte, a diferente abissal nas intenções de votos das mulheres em Lula (49%) contra (23%) em Bolsonaro.
Católicos , convertidos e o ‘Messias’
O levantamento Datafolha dessa quinta-feira mostra que (54%) dos católicos consultados confirmaram a intenção de voto em Lula contra (23%) em Bolsonaro. Até aí tudo bem, apesar da ampla diferença de (31%). O que realmente me chama a atenção é a pouca vantagem de Bolsonaro quando se trata das intenções de voto dos evangélicos. De acordo com a pesquisa (39%) declararam voto no atual presidente e (36%), em Lula. Com o futuro confronto de pautas progressistas e conservadoras, este número tende a melhorar em prol de Bolsonaro.
Porém, diante de tantas benesses e afagos já concedidos aos convertidos como a indicação de um “terrivelmente evangélico” ao Supremo Tribunal Federal (STF), trânsito livre no MEC e suspeita de influência na indicação de verbas da Educação, além de vãs invocações do santo nome de Deus a todo momento, era esperado que Bolsonaro tivesse uma vantagem maior.
Na prática, isto mostra que a estratégia de afagos a pastores midiáticos não necessariamente reflete um direcionamento em massa de votos evangélicos, dado a mudança da pauta principal da eleição deste ano que é a economia e a grande fragmentação que há entre as principais lideranças evangélicas, que se reflete nos inúmeros templos em uma mesma rua.
Por outro lado, diferentemente do que possa parecer numa análise superficial, entre os católicos há uma unidade maior na prática, uma vez que as lideranças não são fragmentadas, tampouco, competem entre si.
Cabe aqui lembrar a grande repercussão da declaração do Arcebispo de Aparecida Dom Orlando Brandes, durante a missa solene de 12 de outubro de 2021, no Santuário Nacional que ecoou em praticamente todo clero católico.
Sem citar nominalmente o presidente Jair Bolsonaro, Dom Orlando, durante o sermão no dia da Festa da Rainha e Padroeira do Brasil, fez uma contundente crítica ao atual governo. Na oportunidade, o recorte da grande imprensa concentrou-se mais na questão do armamento, porém, quando transcrita na íntegra, nos dá maior dimensão do contexto mais amplo exposto pelo arcebispo.
“Vamos abraçar nossos pobres e abraçamos também nossas autoridades para que juntos construamos, então, um Brasil pátria amada. E para ser pátria amada não pode ser pátria armada...” Após caloroso aplauso dos devotos presentes, o arcebispo continua. “...Para ser pátria amada, seja uma pátria sem ódio. Para ser pátria amada, uma pátria, uma república sem mentiras, sem fake news. Pátria amada sem corrupção. E pátria amada com fraternidade. ‘Fratelli Tutti’. Todos os irmãos construindo a grande família brasileira”.
‘Fratelli Tutti’ é uma referência à Encíclica do Santo Padre Francisco de três de outubro de 2020 sobre Fraternidade e Amizade, onde em um de seus capítulos fala sobre as religiões a serviço da fraternidade, abordando o papel das religiões na construção do caminho do diálogo visando a fraternidade.
Obviamente que a eleição deste ano não se trata de uma disputa entre credos, e que evangélicos, católicos e de outras religiões, além de questões morais e conceitos religiosos, definem seus votos baseados no conjunto de coisas, onde a economia tem papel preponderante no cenário atual.
Alta inadimplência faz empresários iniciarem desembarque do barco de Bolsonaro.
Ainda que o discurso conservador seja capaz de comover e ativar o centro do sistema de crenças de parcela da população; por mais que a narrativa de se combater o ‘criminoso’ com arma em punho seja tentadora, ainda que não resolva o problema estrutural da criminalidade, quando se tem (70%) das famílias endividadas, como é o caso, há uma provocação quase que natural e que ativa o instinto de sobrevivência. Cerca de (90%) dos empresários são na realidade microempresários (donos de mercadinhos, padarias, lojas etc) e precisam que as famílias tenham condições de honrar com suas dívidas e que tenham poder de compra.
Bolsonaro ainda leva vantagem entre os empresários (42% a 31%), afinal, cabe lembrar a aprovação da Reforma Trabalhista que beneficiou esta categoria, mas o fator econômico faz boa parte dos empresários ensaiarem uma mudança de barco. E frase pronta de transferência de responsabilidade “Fique em casa que a economia a gente vê depois” já não se tem o mesmo efeito porque na prática esperava-se respostas efetivas de combate à crise pós-pandemia. O que não ocorreu.
Quem é o pai da criança?
Já diziam os antigos que “Todo mundo quer ser o pai do ‘filho bonito’". O criticado ‘Bolsa Família’, rebatizado de ‘Auxílio Brasil’, programa de transferência de renda turbinado em tempos de pandemia, virou o ‘filho bonito’ adotado pelo atual governo. Porém, a pesquisa Datafolha, divulgada nessa quinta-feira, 26, revelou quem é o ‘pai da criança’ na visão dos eleitores entrevistados. Entre os beneficiários do programa, (59% ) declararam voto em Lula e (20) em Bolsonaro. Como diriam os antigos, ‘pai é quem cria’.
Para conhecimento:
O Programa Bolsa Família foi oficialmente criado a partir do Projeto de Lei Nº 10.836, DE 9 DE JANEIRO DE 2004, na gestão Lula (2003-2010), a partir da reorganização e junção de programas de transferência de renda que foram criados na gestão Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) - Bolsa Escola, criado em abril de 2001; do Bolsa Alimentação, criado em setembro de 2001, e do Auxílio Gás, criado em janeiro de 2002.
Infelizmente, cerca de (5 milhões) de pessoas ainda aguardam na fila a possibilidade de entrar no programa de transferência de renda, resultado do empobrecimento das famílias brasileiras.
AMBIENTE TÓXICO NAS REDES AJUDAM A AFASTAR JOVENS DE BOLSONARO
Sem perceberem que, por conta do linguajar quase sempre ofensivo nas redes sociais, a ‘tropa’ de Bolsonaro empurrou a juventude para o principal adversário. Entre os jovens, (58%) declaram voto em Lula e (21%), em Bolsonaro.
E olha que não se trata de pouca gente. De acordo com TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o país tem mais de (dois milhões) de eleitores entre 16 e 18 anos cadastrados. Mais precisamente (2.042.817) novos eleitores, aumento de (47,2%) em relação ao mesmo período em 2018. Os números mostram que a convocação da juventude para participar das eleições de outubro teve ótimo resultado, até acima do esperado.
Trata-se de uma multidão de eleitores que, aos olhos de muitos, pode parecer alheia ao debate político no país, porém, sentem na pele, o desemprego e a falta de oportunidades. Possuem mentalidade muito mais aberta à questões e comportamentos abominados pelo conservadorismo. Importante ressaltar que não estou entrando no mérito do que é correto ou não, mas reafirmando essa dissonância de pensamentos.
Uma pesquisa recente do instituto Ipec mostrou que seis de cada dez jovens do país preferem não comentar nada de política nas redes sociais por causa da polarização e do radicalismo que o tema suscita, sobretudo, nos apoiadores bolsonaristas.
Se por um lado, a ativa presença nas redes sociais, muitas vezes, carregada de falta de empatia e comentários agressivos, inclusive em posts alheios, mobilize a ‘bolha’, por outro, tornam o espaço onde os jovens esperam encontrar um universo mais leve e de interatividade social em um local demasiadamente hostil.
‘Rei morto, rei posto’ e os ‘Os amigos do rei’.
Naturalmente que, diante dos números negativos, a estratégia da ‘tropa’ bolsonarista será a de desqualificar toda e qualquer pesquisa que apresente dados semelhantes ao do Datafolha, publicada nessa quinta-feira, 26.
Usarão, de forma equivocada, o paralelo entre as pesquisas e o resultado final da Eleição de 2018, quando nos últimos momentos, pela rejeição ao PT, os eleitores de candidatos derrotados no Primeiro Turno desembarcaram, em sua maioria, no barco do atual presidente.
Aliás, essa é uma tendência de boa parte dos eleitores e de candidatos a cargos executivos e ao parlamento. No Nordeste, por exemplo, há aliados que não querem dividir palanque com o presidente e isso já começa a reverberar também em outros estados onde Lula aparece em primeiro nas pesquisas. É o caso de Minas Gerais, maior colégio eleitoral do Brasil e de estados importantes em diferentes regiões.
Já viu ou ouviu aquela expressão: ‘amigo do rei’? Pois, é. Ela prevalece na política. Aí na sua cidade você já deve ter percebido que alguns estão sempre ao lado do vencedor e servindo-se desta proximidade; são os ‘amigos do rei’, independentemente de quem tem a coroa. E nem estou entrando no mérito de que isso é certo ou errado, mas, uma estratégia. A mesma a ser utilizada pelos políticos profissionais.
Apesar dos dados, não existe vencedor de véspera
Se quiser recuperar terreno e prorrogar a eleição para o Segundo Turno e ter uma sobrevida, Bolsonaro terá que fazer uma correção de rota. Venceu a eleição passada por conta da alta rejeição ao PT. Hoje, o rejeitado é ele. E para diminuir essa rejeição, terá que falar para folha da ‘bolha’.
Quanto a Lula e sua equipe, é não subir no salto para não ter recaídas em pautas progressistas ultrapassadas.
Ederson Santos / Jornalismo Construtivo
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